Nosso Alvoreser



Por Marcos Cesário



Carinha, estou me distribuindo, pouco a pouco, em cada camada desta brisa matinal. Sentado, preguiçosamente, numa cadeira muito bem instalada na varanda de tua nostálgica casa, que me parece ter sido não construída, mas plantada nesta bela fazenda, como uma flor regada e amada no canteiro da tua vida, onde, pacientemente, adubas teu cemitério de mudas, podando, cuidadosamente, as promessas devastadas.

Há pouco, nesta mesma varanda, estávamos eu e você, Alvinho do Riacho, conversando, rindo e brigando - o que não é nenhuma novidade - discordando e apreciando os efeitos sonoros e contraditórios das letras desenhadas em nossas saltitantes palavras.

Já compartilhamos a brisa da praia de Amaralina, na margem da caatinga, a 376 km do mar. Sentados no banco - sempre o mesmo - daquela pequena praça provinciana, levados pelas correntes soltas dos ventos, no tempo ameninado das  nossas sensações.
                                                                                                                                                                 
Álvaro Perez, escrevo deitado na relva do teu riso, saboreando o ritmo de cada descompasso de tuas irônicas saudades e francas confissões: "ando falando com meu pai morto. Lhe pedi perdão". Permaneço calado e é dentro de teu íntimo silêncio que te digo: Biro, nascemos pela contramão.

Irmão, às vezes não sei fingir. Ajuda-me a tingir. Empresta-me tuas infantis e desmemoriadas cores. E reacenda comigo as matizes das cinzas mal escondidas no cinza, na ponta, na arejada sombra do teu brincante, e nosso, hidrocor.

Estações, encontro e desencontro



Por Maisa Antunes

Quando o vi pela primeira vez, estava de vermelho e usava um suspensório preto. Sussurrou em meu ouvido: “é uma homenagem a ele”.
A homenagem era para um amigo.
Naquela noite, Biro olhou-me rindo com os olhos. Era 24 de setembro. As buganvílias da cidade estavam floridas e os orixás dançavam a nossa frente, num encontro de corpos e espíritos. Fazia quase dois meses que o meu menino-pai, Juca, havia partido.
Passou-se um tempo para nos reencontrarmos novamente... mas Biro já estava guardado nas avenidas de meu coração. Na ocasião, olhou-me nos olhos e disse: Administre! Parecia ter incorporado Juca para esse recado.
Hoje ele reside em minha vida. E, quando se hospedou, provisoriamente, no apt.101 confirmei estar diante de mais um menino, o menino Biro.
Biro, graciosamente, você encheu meus dias com suas formas e cores. Hoje elas povoam e brincam, despreocupadamente, em minha mente.
Sei que meu Juca te vê e, em meu coração, encontra você.

O tempo escondido



Por Pedro Sá

Menino Biro, quando nos encontramos, o tempo se esconde no vento. Sem vê-lo, nossas almas se unem.
Quando guardamos o tempo nas palavras, corremos o risco de nunca encontrá-lo dentre elas. É a amizade que nos dá o melhor esconderijo. Por isso, o que nos separa permanecerá sempre perdido.
 Se procurarmos, no tempo, o que nos une, encontraremos, apenas, o sorridente giro dos cata-ventos, nos olhos contemporâneos de dois meninos que, falam o verbo das cores e, de pés descalços, saltam entre os trilhos das épocas.

Ao menino Biro



Por Emiliana Carvalho


É difícil falar dele. Álvaro Perez, para mim, é um nome distante, pois, o que minha alma apreende, desenha-se em quatro letras: B-I-R-O.
Elas sim, me dizem muito. Foi assim que o apreendi e o prendi em minhas memórias e vivências. Tantos encontros, tantas confidências compartilhadas, tantos são os desejos que nos circundam, tanta é a dor e o amor que partem de teu coração, dos “sentimentos do mundo”.
Escrevo agora estas palavras, cercada por tuas cartas e poemetos, espalhados sobre minha cama, que atravessaram as fronteiras de tuas ânsias e alegrias discretas.
Biro, quando escrevemos sobre algo, sempre falamos de nós mesmos, ainda que disfarcemos com personagens e histórias que não parecem nossas. Você se diz nos seus escritos, se grita, se condena e se socorre.
Somos amantes de espírito. Estamos juntos nas tuas histórias doidas e doídas, fazendo cócegas em nossas almas infantis.
Menino Biro, fomos dados um ao outro pelas mãos do Poeta, mais um gesto carinhoso das manobras do Destino.

Um brinde ao menino Biro


Por Edmar Conceição

          Numa dessas tardes, folheando alguns livros antigos, caiu, no meu colo, uma fotografia esquecida. Na verdade, quase todas minhas fotografias são esquecidas, são guardadas sem muito zelo em pastas distantes e avulsas. Mas confesso que me contagiou o retrato daquele moço sorridente, ansioso para fazer um embarque de quase vinte anos atrás.
         Olhei diversas vezes aquele rapazola andarilho e me esquivei do espelho durante um bom tempo, receava encontrar um olhar sem horizonte e um riso atroz, apequenado. Mal findava aquela tarde e senti, pela primeira vez, o risco de minha juventude se desbotar como um pôr-do-sol melancólico, desses que fazem nossa alma garoar e se recolher. Lembrei-me da voz rouca de Álvaro Perez: “Tempo, me deixa em paz”!
         Com a penumbra cada vez mais se aproximando, fui para o quintal, talvez tentando me esconder do próprio desalento. Foi inútil. Meu antigo tablado não tinha mais o frescor do bugarim, nem a tangerineira que me servia o sabor e a sombra daquele meu pequeno reinado. Éramos, naquele momento, apenas um vão cimentado que, inevitavelmente, se escurecia.
         Todavia, quando avistei a muda de sapoti que Álvaro Perez deu para meu filho, em nosso último encontro, provocou-me a lembrança de um “poeminha” de Vinícius de Moraes que aprecio muito: “Parece mentira de tão esquisito: mas sobre o papel, o feio mosquito, fez sombra de lira!”. Rompeu-me um alumbramento, vi o menino Biro saindo do casulo, atiçando suas borboletas cênicas, poeticamente coloridas, acreditando na possibilidade do acriançamento.
         Engraçado... neste mesmo quintal, Álvaro Perez e eu, prometemo-nos um belo brinde quando o pé de sapoti crescesse e ofertasse seus primeiros sabores. No início, Biro recuou e, fazendo cálculos, achou que fosse uma empreitada arriscada. Contudo, tranquilizei-o. Celebraríamos nem que fosse noutras dimensões, noutros encantamentos. Jamais esquecerei sua gargalhada boêmia, quando ele disse que, neste dia, beberia vodka com gelo. Viva a deixa de Gabriel García Márquez: “a idade não é a que a gente tem, mas a que a gente sente.”!.
         Como diria o poeta (Manoel de Barros) que Biro e eu gostamos: “do lugar onde estou já fui embora” e o “escurecer faz ascender os vaga-lumes”. Naquela noite, já estrelada, percebi que o devir era melhor que a nostalgia e deixei aquele moço bonito, da foto, entrar no seu ônibus e viajar em paz. Entrei no meu quarto, ri da limitação acostumada do espelho e rabisquei uma bela prece ao menino Biro,

Sou e Não Sou, Fiz e Não Faço



Por Álvaro Perez


Sou poeta, não sou filósofo, não sou esteta, sou de esquerda, meia esquerda, de centro disfarçado, admito-me, em raros momentos, até de direita, jamais niponazifascista, tampouco neoglobalizado.

Não sou crente, nem descrente, muito menos, apostólico romano, sou, apenas, um angustiado ser humano.

Fiz e faço pinturas-poema, desenhadas, hidro colorizadas, proso poemas, dramaturgia, cinema, saudáveis ironias, gozações comigo mesmo, outras coisas mais, etecéteras e tais.

Fiz e não faço mais: amar mulheres sem pescoço e cabeça de bagre, mesmo sendo ou querendo ser belas e, fora de cogitação, transar anã, com receio que, na hora agá, ela me escape por entre minhas canetas, quedando-me, de caralho duro, a ver navios, conforme deveras aconteceu.

Fui amado, desamado, invejoso, invejado, frutifiquei filhos, netos, quiçá bisnetos.

Atualmente, habito-me solitário, em clima semiárido, serrano, levemente temperado.

Nasci em Salvador-BA, fui criado, tal e qual, sem tirar nem pôr, como filhinho de mainha e de papai.

Formei-me em Ciências Jurídicas, com direito aos direitos de Cidadania, como igualmente deveriam merecer o Zé Povinho e João Ninguém; entretanto afirmo, com tristeza e certeza, aos crédulos em estórias A carochinha, que tal fato jamais acontecerá.

Considero-me leitor de deliciosos livros, ouvidor de músicas bem-vindas às minhas ouças, mirador com “zóios esbugaiados” para encantadas pinturas.

Sou amante de Cora Coralina, Quixote, Sancho, o Manco de Lepanto, Miró, Di, Carlos Gomes, Pixinguinha, Bach, Offembach, quiabada e feijoada de feijão mulatinho ou rosinha, à moda baiana.

Sou cabeça feita para pensar, duvidar, analisar, sintetizar, acender, iluminar... e fim de papo.


DEUS GRITOU: FIAT LUX... e a Luz se fez


Por Álvaro Perez


Nos momentos existenciais mais cruciais, o poeta encontra, no seu lado, a SOLIDÃO, com duas caras – apalermada e sábia; tanto a primeira quanto a quem é quem e, ambas, em certos momentos, quedam-se, alegre ou triste, deprê ou eufórica.

O poeta abençoa-a quando ela se apresenta espontaneamente e o ajuda a refletir, pensar, agir, todavia, teme-a sempre que ela se transforma em pesadelo, tal e qual cara medonha de carranca de proa, transformando o saudável em doentio.

O poeta, nos momentos que se atormenta com a solidão, navega sem destino, até abalroar-se em dúvidas insolúveis, naufragando suas ilusões nesse imenso, vasto e profundo inconsciente, mas sobrevive, pelo sim e pelo não.

Assim sendo, vem Hermes, mensageiro do Espírito Santo, trazer Alvorada à Escuridão.

Surge Alba, esplendorosa e bela, a desfazer assombrosas sombras diante da Solidão, iluminando a Travessia “ID” adentro, existência afora.

Enfim, por livre e espontânea vontade, DEUS gritou à Alvorada para se fazer Luz no terceiro DIA da criação

Música O menino Biro

Por Iris de Guimarães


Desenho interpretativo

Por Iris de Guimarães



“Verdade é realidade que não acontece”.

(Álvaro Perez)